24/02/2023 09h27min - Clima
um ano atrás

Chuvas em SP: como cidades podem se preparar para eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes?

Frequência de eventos extremos aumenta com as mudanças climáticas

Foto: Reuters Internacional ► 

Odilo Balta / jornalcorreiodosul@terra.com.br
Fonte: BBC News


A quantidade de chuva que a região recebeu no último fim de semana, no entanto, foi muito acima do evento mais extremo da história recente.

Em 24h, a região recebeu 640 mm de chuva, número três vezes maior que os 179 mm precipitados em 2014, durante a chuva mais intensa registrada nas últimas décadas.

O tamanho da tragédia no litoral - o total de mortos já chegou a 49 e equipes ainda buscam pessoas soterradas - tem sido apontado por especialistas como resultado de desigualdade, da falta de investimentos em habitação e de falhas no sistema de avisos de emergência.

Enquanto a população e os órgãos de fiscalização cobram as prefeituras e o governo do Estado de São Paulo por sua atuação - ou falta dela -, o volume de chuva acende um alerta para pesquisadores: como estudar e se preparar para o aumento dos eventos climáticos extremos e cenários cada vez mais imprevisíveis?

Embora sejam necessários estudos para determinar se o evento específico do último fim de semana teve relação direta com as mudanças climáticas, já é um consenso científico que o aquecimento global tem aumentado a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos - como mostram os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).

Em entrevista à BBC News Brasil, o meteorologista Marcelo Sluchi afirmou que acredita que possa haver relação entre as chuvas do fim de semana e o aquecimento do planeta.

"Um aumento da temperatura traz um aumento de vapor. Ou seja, para países tropicais como o Brasil, uma mudança de 1ºC significa muito mais vapor do que aumentar 1ºC na Antártida ou na Patagônia", afirmou.

"Você torna o clima tropical mais úmido, mais quente e mais instável. Uma mesma frente fria consegue provocar hoje mais chuva do que há 100, 200 anos. E para piorar, as frentes frias estão ficando mais intensas em algumas circunstâncias", disse ele. "Não é uma situação normal, e justamente as mudanças climáticas determinam um novo normal, né?"

"Esta chuva de 2023 e outras dos últimos anos têm mostrado que diminuiu muito o intervalo de recorrência de eventos extremos, que antes era de 100, de 200 anos", afirma Alessandra Corsi, pesquisadora da seção de investigações, riscos e gerenciamento ambiental do IPT.

Corsi diz acreditar que, mesmo que São Sebastião tivesse implementado todas as recomendações feitas no plano municipal de redução de riscos de 2018, a cidade ainda assim teria tido um desafio em lidar com o volume de chuvas registrado no último fim de semana.

"Minha opinião é que, mesmo que a cidade tivesse colocado tudo em prática, alguma coisa ainda assim iria acontecer", diz ela.

Corsi explica que os deslizamentos chegaram a atingir áreas além das que haviam sido mapeadas na região da Vila Sahy.

"A área atingida depende de uma série de fatores como altura da encosta, volume pluviométrico. Se você tem um acumulado de chuvas de 80 mm, 100 mm (que já eram cenários extremos) o porte do deslizamento vai ser diferente", explica.

O evento climático do último fim de semana foi mais um dos que acenderam o alerta para os pesquisadores de que é preciso atualizar os parâmetros para as análises e recomendações de longo prazo.

"Já estamos pensando nisso, estamos tentando elaborar algum método para que os mapas para eventos extremos sirvam para a defesa civil, sirvam para os municípios repensarem sua forma de ocupação, mas ao mesmo tempo não sejam alarmistas", afirma a pesquisadora.

"Ainda não chegamos a uma resposta", diz Corsi. "Estamos analisando mais de um evento, para conseguir consolidar um método."

Os pesquisadores também estão fazendo buscas de artigos científicos com protocolos internacionais que levem em consideração esse novo cenário causado pelas mudanças climáticas e adaptando esses protocolos para a realidade brasileira.

Apesar desse desafio, as cartas de riscos e planos de redução de riscos existentes continuam relevantes - e têm recomendações que diminuiriam muito o número de vítimas se fossem seguidas, afirma o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor do IPT.

"Chuvas de muito menor intensidade do que a que ocorreu já mataram muita gente nos municípios afetados. Caso as medidas preventivas, corretivas e emergenciais tivessem sido implementadas o número de vítimas seria muito menor", diz.

Com informações de: Letícia Mori/Role,Da BBC News Brasil em São Paulo